Cemitério das Árvores
21/10/2014

Cemitério das Árvores

Sempre tenho convites para explorar os países de língua espanhola próximos ao Brasil. Possuem custos baixos e belezas cênicas extraordinárias, como as florestas da Venezuela, ruínas do Peru, deserto na Argentina, montanhas no Chile, entre outros lugares, mas não me chamam tanta atenção como as paisagens brasileiras, que me deixam até exaurido de desejo de contemplá-las.

Em meados do mês de junho, deste ano, comecei a pensar no destino já para julho. Em cima da hora, recorri aos sites de busca e me deparei com fotos de voos panorâmicos de um lugar exótico. Nas imagens, os azuis das águas dos lagos apareciam circundados e isolados pela cor branca das areias, criando um formato de malha. Fui convencido, meu destino seria então os Lençóis Maranhenses.

Lagoa no Parque Naiconal dos Lencois Maranhenses

Foto: Heris Rocha

Seriam poucos dias nos Lençóis. A intenção era fotografar e sentir o cotidiano do lugar. As pesquisas começaram e vi que haviam muitas atrações no local. Pequenas cidades circundam os lençóis e com elas surgiam inúmeras atrações turísticas, como o rio Preguiça que é encantador e as lagoas adjacentes. Mas esse não era meu foco. Eu estava em busca de algo mais autêntico. Foi lendo alguns relatos encontrados que a ideia surgiu: Uma travessia de 3 a 4 dias, a pé, aproximadamente 70 km de percurso, em mais de 30 km caminhando entre dunas e lagoas com direto a dois oásis com vegetação de restinga como ponto de apoio. Para o planejamento da viagem, fui em busca de um guia local e autorização do ICMBio (Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade) para fazer minhas fotos, a atração está dentro de um parque nacional e exige essas questões.

Neste artigo, não vou me prender aos detalhes do planejamento da viagem. O objetivo é descrever textualmente e fotograficamente o meu sentimento ao realizar uma travessia na região dos Lenções Maranhenses e acima de tudo expor uma realidade ambiental com a qual me deparei.  Vamos a viagem:

Sempre acordando de madrugada, evitando o sol escaldante do meio dia, fui conhecendo o Parque Nacional dos Lençóis Maranhenses que, por descuido do governo federal, possui apenas uma pequena base com poucos funcionários, é um descaso total. Também não tive sorte na fotografia, pois nos melhores horários, as nuvens apareciam em excesso, escondendo o sol. Como diz a velha história, o fotógrafo da natureza tem que contar com o bom tempo.

Dunas no Parque Nacional dos Lençois Maranhenses

Foto: Heris Rocha

Caminhar e sentir o prazer de andar naquelas areias, de início, com os sustos das gaivotas protegendo seus ninhos com a visita indesejada do homem, com vôos rasantes sobre a minha cabeça e do guia, era para mim algo incômodo que ficou hilário e depois imperceptível. Tudo era encantador: caminhar, olhar e banhar. Águas geladas de cores verdes, azuis e até negras, mas tudo era cristalino ao mesmo tempo.

Do sorriso estampado, o olhar começou a ficar pesado e baixo quando avistei o que denominei de “Cemitério das Árvores”. Não fiz pesquisas para entender o que estava acontecendo, até me confortaria saber se a causa do fenômeno fosse natural, mas não. Sabe o que acontecerá com os dois oásis no meio dos lençóis maranhenses, que me serviram de apoio? Irão desaparecer com o soterramento das dunas que caminham através do vento. Até ai seria normal, se este fosse um processo natural, mas com a redução das chuvas, as dunas tomaram uma velocidade muito superior ao normal, carregando a areia e engolindo a vegetação.

Após certo percurso, vi o deserto, a areia cobrindo as árvores até sufocá-las e sumirem debaixo dela. Os galhos, ainda visíveis, transformam em um visual de esterilidade o que já foi diverso. Provavelmente, demoraria séculos para a transformação. É aquela velha história do mundo em transformação contínua através das questões climáticas atreladas. Mas o que começa a atordoar é a dinâmica do tempo. A velocidade está acelerada pelo que hoje é mais um impacto causado pelo homem, as “mudanças climáticas”.

Arvore no Parque Nacional dos Lencois Maranhenses

Cemiterio de Arvores nos Lencois Maranhenses

Galhos de Arvores nos Lencoes Maranhenses

Fotos: Heris Rocha

Quando cheguei ao segundo oásis, encantei-me pela quantidade de água dentro dele, das pessoas que moravam lá e, ao mesmo tempo, a tristeza de uma ilha que será engolida pelas dunas de areia. A situação é tal que as famílias possuem casas provisórias, mudando em poucas décadas devido ao caminhar das dunas. Dentro desse oásis, senti-me perto do diverso, parecia tudo muito vivo. Já as dunas, apesar de suas belezas, geram o medo. Nelas o belo se transforma em perigo devastador. Mesmo as lagoas, também serão afetadas pelas suas forças e tudo aquilo será a galope transformado em partículas finas de alguns minerais monocromáticos.

Nessa história toda, fica o ar de alegria em sentir a emoção de girar 360 graus e me perder no horizonte não antropizado e a tristeza do futuro já certo das transformações impactantes.  Ao concluir a travessia, conheci pessoas, comidas típicas, além de diversas situações novas que dariam muito a escrever, mas que com certeza completaram a minha experiência de conhecer este local de beleza cênica.

Atrações do Parque Nacional dos Lençóis Maranhenses e melhor época para ir

O Parque Nacional dos Lençóis Maranhenses é um verdadeiro “deserto brasileiro”. Sua área de 155 mil hectares abriga ecossistemas como a restinga, o manguezal e um campo de dunas que abrange mais da metade da área total do parque. A grande atração são as lagoas que se formam no período de chuva, por isso a melhor época para visitar os Lençóis Maranhenses vai de maio a setembro, logo após o período de chuvoso, quando as lagoas estão cheias. O principal acesso para o parque fica em Barreirinhas. A cidade possui estrutura turística para receber desde os mais aventureiros até os que procuram mais comodidade. Não há taxa de visitação para entrada no parque.

 

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Heris Rocha
Fotógrafo de questões ambientais e sociais há 10 anos, Engenheiro Agrônomo pela UFLA e conhecedor em meio ambiente. Faz trabalhos freelance como fotógrafo e trabalha na Secretaria de Meio Ambiente do estado de SP. Seus últimos trabalhos fotográficos em 2014 foram a exposição “Remanescentes” e vencedor do Concurso Cultural Wikiparques.